O Último Gole
Por Sandro Chequetto
A noite já cobria Cachoeiro de Itapemirim quando Sandro cruzou a porta do Bar do Zé. O cheiro de madeira envelhecida e de cerveja barata misturava-se ao som do jogo do Flamengo na televisão.
Ele sabia que não devia estar ali. Depois de anos lutando contra o álcool, aquela recaída de 24 horas era uma sentença que ele próprio assinava. Mas, naquele instante, não era a razão que falava—era o vício, a saudade do gole.
Zé, o dono do bar, nem precisou perguntar. Apenas serviu, em silêncio.
— Voltei, Zé — Sandro disse, segurando o copo e encarando o próprio reflexo na mesa úmida.
Zé suspirou.
— Não precisava.
No canto oposto, Seu Jeremias, um senhor de barba branca que ninguém sabia de onde vinha, apenas observava. Não era freguês, não bebia, mas sempre aparecia quando alguém precisava ouvir alguma verdade.
— Pensando bem, Sandro, você não voltou. Você nunca saiu.
Sandro franziu a testa.
— O que isso quer dizer?
Jeremias pegou seu café e explicou:
— O vício mora dentro, não fora. Você pode passar mil anos sóbrio, mas se continuar achando que a bebida é parte de você, o dia em que fraquejar, ela te toma.
O bar ficou em silêncio. Dona Lourdes largou o copo, Toninho parou de contar moedas, Carlinhos—que jurava saber mais sobre a Bíblia que o padre—não rebateu.
— Então eu nunca vou deixar de ser alcoólatra? — Sandro perguntou, num raro momento de honestidade.
Jeremias tomou mais um gole de café e respondeu:
— Quem disse que cair te define? O que te define é o que você faz depois de levantar.
Sandro encarou o copo. Era só um gole. Mas pela primeira vez, parecia pesado demais para tomar.
Lentamente, afastou-o.
— Zé, tira isso da minha frente.
Zé pegou o copo sem dizer nada, mas no fundo, era como se estivesse esperando por esse momento há anos.
Sandro se levantou.
— Preciso sair daqui.
Jeremias sorriu e disse:
— Agora sim, você foi.
Naquela noite, Sandro não bebeu mais. Caminhou pela Ponte de Ferro, sentiu o vento da madrugada e pela primeira vez em anos se sentiu livre.
E Jeremias? Nunca mais foi visto. Alguns juravam que era um viajante, outros um enviado de Deus. Mas no Bar do Zé, nunca mais se falou sobre recaídas da mesma forma.

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